A Transitoriedade das coisas: a morte, a perda e o luto

15/09/2021

A morte e sua correspondente noção de perda fazem parte do desenvolvimento humano desde a mais tenra idade e acompanham o ser humano no seu ciclo vital, deixando suas marcas. No passar destas etapas podemos desenvolver certa maturidade em relação a este processo:

  • Durante a nossa primeira infância não se apreende nem o sentido da vida nem o sentido da morte.
  • Na segunda infância se começa a personificar a morte como algo externo a nós e por volta dos oito a nove anos inicia a compreensão de que não se é imortal e que a morte vem para todos.
  • Na adolescência apesar se ter a compreensão intelectual do fato ainda não se tem a maturidade emocional e os jovens se comportam como “heróis” que sempre vencem, e
    nunca morrem.
  • No começo da idade adulta ainda se vislumbra a morte como algo distante, de nossa família e amigos mais próximos. Há muito para se construir e assume-se uma postura
    de que não há espaço para interrupções nestes planos e sonhos de futuro.
  • Na meia-idade, a morte e a perda começam a ser encaradas de frente, não há como
    fugir mais do fato. Admitiu-se tanto intelectual, como emocional e existencialmente a

    possibilidade de finitude. Por meio de vivencias de perdas encontra-se o mundo real que contempla tanto a vida quanto a morte. Perdem-se avós, pais, amigos, familiares e
    não se pode negar a realidade que se impõe à vontade de permanecer.

Os idosos em sua maioria já não sentem o mesmo medo da morte que sentiam nas fases anteriores do desenvolvimento. Apesar da finitude estar mais próxima e causar ansiedade, funciona também como uma preparação para o momento final. Há uma clara consciência do percurso de vida, dos feitos realizados, da família criada, e isto trás outra maneira de ver, sentir e pensar a transitoriedade.

Claro que o desenvolvimento deste amadurecimento emocional é variável de pessoa para
pessoa e tem forte relação com o contorno cultural, vivencias de vida e crenças religiosas e espirituais da pessoa. A postura frente a transitoriedade, impermanência e evanescencia das coisas é singular em cada Ser Humano.
Reações à perda: processos de luto Ao se falar de morte, inevitavelmente, o tema nos conduz ao processo do luto, que se refere ao conjunto de reações diante de uma perda. Lembramos que existem mortes e processos de luto por ausências, separações e vivência de desamparo. O processo de luto se dará diferentemente.


Quanto maior o investimento afetivo, quanto maior o apego, tanto maior a energia necessária para o desligamento e elaboração da perda.
O enlutado por qualquer tipo de perda deve ter a mesma atenção e cuidados por parte de quem o acompanha, seja o psicoterapeuta, o guia religioso,a família ou a sociedade. Perda significa privação e qualquer pessoa que passe por uma privação sente-a como a pior dor do mundo. Não podemos mensurar a dor do outro. Em qualquer tipo de perda, seja ela concreta (morte) ou simbólica (separação), é muito difícil quantificar a dor que a pessoa sente.


Colin Murray Parkes coloca que o luto é a experiência psicológica mais dolorosa que qualquer pessoa irá vivernciar e, quanto maior é o amor, maior é essa dor. Da mesma maneira, quanto maior o apego, maior o sofrimento. O psiquiatra britânico complementa: “Não há dúvida, o luto é um preço que temos de pagar. Algumas pessoas acham seu luto tão doloroso que ficam com medo de amar novamente”.
E realmente muitas pessoas entram em um processo patológico depressivo e melancólico, que pode durar anos, uma vida inteira ou ate influenciar as gerações seguintes. Anos sofrendo por um objeto externo e interno perdido. Isto denuncia a dificuldade para desapegar-se do ente querido, elaborar a perda e seguir a vida apesar de.
Para Sigmund Freud : “
luto é a reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, a perda de um objeto externo e/ou interno, como o país, a liberdade, o ideal de alguém e assim por diante”. Esta perda tem uma dinâmica externa, visível à sociedade e interna, silenciosa e invisível. Muitas vezes se faz o luto pelo objeto externo, pelo corpo, pelo que havia na realidade, mas não se consegue fazer o luto pelo objeto internalizado, idealizado. E a não vivencia e elaboração deste processo de luto e perda, prende simbolicamente a pessoa a esta situação, por mais tempo que tenha se passado.

As reações mais esperadas frente à morte são: entorpecimento, estarrecimento, ilusão,
desespero, descrença, histeria, pânico e choque. As inesperadas podem levar a confusão mental, estado de catatonia, depressão, colapso nervoso, reações psicossomáticas, adoecimento, e surto psicótico.
O psicólogo britânico John Bowlby nos fala das fases do processo de luto. A primeira, o entorpecimento, a sensação de torpor e choque nos defende por algumas horas. A segunda, o anseio e busca da figura perdida que dura meses e anos. É comum e natural que a pessoa enlutada veja sinais da pessoa falecida em tudo. Ele escuta a voz do morto, sente seu cheiro, sonha muito freqüentemente, escuta passos e tem a impressão de que o morto está presente.
A terceira é a desorganização e desespero, o momento de enfrentamento da realidade. A quarta fase é a reorganização – quando a pessoa começa pouco a pouco retomar sua vida e rotina, de uma forma diferente, nova. É neste momento que ela irá resignificar a sua vida. Neste momento irá aceitar a realidade, por mais dura e dificil que seja. Ira se confrontar e trabalhar a dor da perda. Buscará se readaptar ao local onde vivia com a pessoa falecida e com os comportamentos sociais e culturais que partilhava. De forma parecida a psiquiatra suíça Elisabeth Kübler-Ross descreve alguns estágios de sentimentos e afetos que se seguem à perda, que variam de pessoa para pessoa, e que podem inverter sua seqüência, mas que estão envolvidos no processo de elaboração e luto:
Negação e isolamento; raiva; barganha; tristeza e desânimo generalizado; aceitação.
Também afirma que alguns processos são importantes para elaboração do luto, entre os quais:
(1) reconhecer o luto,
(2) reagir à separação,
(3) recolher e re-vivenciar as experiências com a
pessoa perdida,
(4) abandonar ou se desligar de relações antigas,
(5) reajustar-se a uma nova
situação,
(6) reinvestir energia em novas relações.

Ter a morte como companheira…
O psicanalista norte americano Irvin Yalom aponta que o medo da morte sempre se infiltra por baixo da superfície, assombrando as pessoas durante toda a vida, fazendo com que estas ergam fortes defesas psíquicas contra estas – muitas destas defesas baseadas na negação. É um tema que surge direta ou indiretamente nas terapias. A evanescência e transitoriedade das pessoas e coisas é um fato diário e que exatamente por sua natureza efêmera, torna a vida bela, dando valor aos objetos e seres, pois estes passam, como pontuou o psicanalista Sigmund Freud. Yalom sugere que o psicoterapeuta deva falar abertamente sobre a morte com seus clientes. Conta
como em sua experiência com pacientes terminais, estes puderam dar um novo significado e força à sua vida, a partir da conscientização da morte:
“revêem as prioridades de seus valores e começam a trivializar as futilidades de suas vidas. É como se o câncer curasse a neurose – fobias e preocupações pessoais mesquinhas parecem se desfazer”. Destaca também como o Luto, o lidar com a perda e/ou morte do outro, é uma experiência limite cujo poder é raramente aproveitado no processo terapêutico – processar e elaborar o luto leva a reparação de objetos e imagens internas e externas e leva os indivíduos a atingirem um novo nível de maturidade e
sabedoria.


O psicanalista e teólogo brasileiro Rubem Alves também pontua a importância de se refletir e  se aproximar da finitude e transitoridade nossa, e das coisas. Relembra que nas escrituras
sagradas encontramos: “Para tudo há o seu tempo. Há tempo para nascer e tempo para morrer”.

A morte e a vida não são contrárias. São irmãs. A “reverência pela vida” exige que sejamos sábios para permitir que a morte chegue quando a vida deseja ir.
Os profissionais Aroldo Escudeiro, Maria Julia Kovács e Colin Murray Parkes apontam e
defendem os benefícios de uma educação para o luto e a morte, no sentido de falar
abertamente sobre isto com crianças, em escolas e instituições. Seguir na linha contraria à morte interdita, tornando-a novamente um fato natural: “se faz necessário que os profissionais se disponham mais a refletir e trabalhar as questões pertinentes à morte e a perda, pois com certeza isso facilitaria a sua prática e seria um grande ganho para a sua vida pessoal”
(ESCUDEIRO,2005)
Para a psicanálise sabemos que o conteúdo reprimido tem uma ação limitadora. Ao tomar consciência de uma imagem inconsciente, posso lidar com ela. Posso reconhecê-la, elaborá-la e finalmente integrá-la e, com isto, ela passa. Porque a recordei, posso esquecê-la. Isto e saudável.
Em muitas psicoterapias, eventos dramáticos reprimidos são trazido a luz para que sejam
concluídos. Estes eventos são como um movimento que se congelou, como sucede num trauma.
No caso de um trauma o movimento e retomado ate que se esgote e possa ser esquecido. E lembrado para que possa passar. Como proceder com perdas e eventos trágicos, nos quais muitas vidas são perdidas e sacrificas? Dando um lugar em minha alma às pessoas que pereceram e se perderam. Assim fico em paz com eles e posso também deixar para trás o que aconteceu, pois eles já não estão separados de mim. Na medida em que acolho em mim, carrego-os comigo para o meu futuro, e eles também colaboram com ele.

Referência Bibliográfica

ALVES, R. – Sobre a morte e o morrer. Texto publicado no jornal “Folha de São Paulo”, Caderno “Sinapse” do dia 12-10-03. fls 3.

BOWLBY, J.- Apego e perda. São Paulo, Martins Fontes, 1984.

D’ASSUMPÇÃO, E. A. – Grupo de suporte ao luto. São Paulo, Paulinas, 2003.

KÜBLER-ROSS, E. – Sobre a morte e o morrer. Ed. Martinsfontes. São Paulo, 2011

ESCUDEIRO. J. A. Velhice, a plenitude do ser. IN: D’Assumpção. E. A. Biotanatologia e Bioética, ed. Paulinas, 2005.

FREUD, S. (1916) – Luto e melancolia. In: FREUD, Sigmund. Obras Completas. Vol. 14. Rio de Janeiro: imago Editora, 1969.

KOVÁCS, M.J. (Org.) Morte e desenvolvimento humano. 2ª ed. São Paulo, Casa do Psicólogo, 1992.

PARKES, C. M. – Dor da morte. Entrevista conduzida por Juliana Linhares .Revista Veja, em 11 agosto de 2007.
 Schubert, R. – A morte e o morrer nas Constelações Sistêmicas Familiares – Pags. 37 à 42. Revista Conexão Sistêmica Sul. Revista Internacional de Constelações e Soluções Sistêmicas. 3 edição. São Paulo, 2013. 

YALOM, I.D. – Os desafios da terapia – reflexões para pacientes e terapeutas. Ediouro, Rio de Janeiro, 2006

René Schubert

René Schubert

Parte Integrante do Artigo desenvolvido e apresentado pelo psicólogo e psicanalista René Schubert no I Simpósio Brasileiro de Constelações Familiares / Apresentado como palestra na Igreja Luterana Unidade Cantareira-SP / Apresentado como palestra em outras instituições acadêmicas e sociais

Fabiana Quezada

Fundadora e desenvolvedora da SBDSIS | Advogada | Meta-coach
Consultora Sistêmica | Mediadora Consteladora…

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